24/02/2022
por [Advogado] Camila Mattos de Carvalho Ribeiro"A ampliação bienal do rol ocorre através de estudos científicos das novas tecnologias que vão surgindo ao longo dos anos, iniciada por deliberação da Diretoria Colegiada da agência reguladora e permitindo, inclusive, o envio de propostas por qualquer interessado."
Na última semana, diversos foram os vídeos e apelos que circularam pelas redes sociais combatendo o julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, da taxatividade ou não do Rol de Coberturas Obrigatórias da Agência Nacional de Saúde.
Por se tratar de assunto complexo, infelizmente, as mídias fervorosamente encaminhadas não abordam o assunto de forma ampla, em especial em relação às nuances econômicas e jurídicas que permeiam o tema.
Afinal, o que é esse rol? O que significa reconhecer ou não sua taxatividade? Qual o impacto do julgamento para o mercado da saúde suplementar?
Para melhor entender a questão, é importante intentar que o mercado da saúde suplementar, no Brasil, surgiu da necessidade de atendimento de uma gama de cidadãos que não conseguia atendimento através da rede pública, tampouco detinha condições de arcar com os custos de um tratamento médico em caráter particular.
Alternativamente, então, grupos de profissionais da área da saúde passaram a associar-se através de pessoas jurídicas aptas a atender esse universo de consumidores, buscando prestar atendimento médico a preços mais acessíveis que os praticados na rede particular.
Com o crescimento da atividade, nasceu a necessidade de criarem-se regras de conduta para tais empresas (operadoras de planos de saúde e seguradoras), de modo a proteger os consumidores e também os prestadores de serviços.
Assim, em 1998, foi criada a Lei nº 9.656, que estabelece regras de atuação para os planos e seguros privados de assistência à saúde.
Dois anos depois, surge a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia federal responsável pela regulação e comercialização dos planos de saúde (Lei nº 9.961/00).
Dentre suas diversas atividades está a edição, a cada dois anos, do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que garante e torna público a todos os beneficiários de planos e seguros saúde firmados após 01/01/1999, quais os procedimentos que devem ser obrigatoriamente cobertos, vez que considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde.
A ampliação bienal do rol ocorre através de estudos científicos das novas tecnologias que vão surgindo ao longo dos anos, iniciada por deliberação da Diretoria Colegiada da agência reguladora e permitindo, inclusive, o envio de propostas por qualquer interessado.
Pode-se dizer, então, que as determinações emanadas da ANS são referência básica às operadoras de planos de saúde, que devem atuar em conformidade com as suas regras, sob pena de serem impedidas de operar neste segmento.
Por outro lado, a extensão do rol de coberturas obrigatória é base para o cálculo das contraprestações exigidas pelos planos e seguros de saúde a seus consumidores, de modo que as coberturas não inclusas no rol não têm seu valor proporcional incluso nas contraprestações pagas.
Desta forma, se a agência que regula as atividades do setor de saúde suplementar estabelece relação – ampliada a cada dois anos – de todos os procedimentos que devem ser obrigatoriamente cobertos, entende-se que tal rol é, desde seu nascimento, taxativo.
Ainda assim, o Poder Judiciário interfere por diversas vezes nessa relação, determinando que sejam autorizados tratamentos não previstos no rol de coberturas obrigatórias, muitas vezes importados, experimentais ou comprovadamente não superiores aos métodos cobertos, o que traz desequilíbrio contratual e prejudica o setor de saúde suplementar, em especial as empresas de pequeno porte.
Entretanto, apenas recentemente as decisões judiciais que ampliavam, de modo subjetivo, o rol editado pela ANS, começaram a ser alteradas pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que passou a declarar que, de fato, a relação é taxativa, ou seja, os beneficiários e segurados apenas fazem jus à cobertura contratada e editada pela agência reguladora.
Logicamente, é possível a contratação de um plano de saúde ou seguro com cobertura mais ampla que a estabelecida pela ANS, pelo que, logicamente, serão pagas contraprestações maiores que as dispendidas para os planos e seguros ditos como “básicos”.
De mesma forma, não é possível a negativa de procedimentos inclusos no rol. Delicado, entretanto, obrigar um ente particular a prestar um serviço pela qual não foi efetivamente pago.
A uniformização do entendimento da 4ª Turma não significa, de sobremaneira, que os planos de saúde terão o domínio do setor, vez que continuam regulados pela autarquia federal, ou que a cobertura contratada será engessada, vez que o rol permanecerá sendo ampliado bienalmente após estudos e pesquisas científicas.
Caso contrário, estar-se-á atribuindo ao particular dever que é particularmente estatal, conforme dita a própria Constituição Federal, qual seja, o de prestar assistência irrestrita à saúde, além de onerar o sistema de saúde suplementar, que não possui reservas financeiras para arcar com condenações altas, indevidas e inesperadas.