29/06/2021
por [Advogado] Renata Ferreira de Freitas Alvarenga"Contudo, a migração para o digital impôs um enorme desafio para o tradicional direito das sucessões que agora se depara com o questionamento: o que fazer com todo esse acervo e riqueza digital, após o óbito de seu titular?"
Vivemos em uma sociedade cada vez mais presente no âmbito digital, em que os indivíduos permanecem conectados praticamente 24 (vinte e quatro) horas por dia aos seus computadores, tablets, smartphones, smartwatches, smartvs, dentre outros dispositivos.
São dezenas de redes sociais e websites que armazenam dados e conteúdo, tais como, fotografias, vídeos, músicas, livros, com massiva utilização e aderência por grande parcela da sociedade, pela comodidade de poder acessá-los e compartilhá-los em qualquer momento e local.
Tudo isso gera um verdadeiro acervo pessoal de valor emocional inestimável para seus titulares, e que podem ser perfeitamente quantificáveis para fins econômicos.
Criadores de conteúdo digital são bem remunerados por vídeos e infoprodutos armazenados em plataformas de hospedagem e essa profissão tem crescido vertiginosamente, impulsionado principalmente pela pandemia do novo coronavírus que determinou regras de isolamento social, fazendo com que cada vez mais pessoas buscassem novas oportunidades no âmbito digital.
Contudo, a migração para o digital impôs um enorme desafio para o tradicional direito das sucessões que agora se depara com o questionamento: o que fazer com todo esse acervo e riqueza digital, após o óbito de seu titular?
Atualmente, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma regulamentação específica para o acervo digital deixado pelo falecimento de uma pessoa, o que vem causando divergência jurisprudencial e muita insegurança jurídica.
A grande crítica que se faz à aplicação das regras sucessórias comuns à herança digital é a violação da dignidade humana e privacidade do falecido e de terceiros com quem aquele manteve relações em vida, caso seja fornecido acesso indistinto de suas redes sociais a todos os seus herdeiros, possibilitando, por exemplo, a visualização de conversas íntimas mantidas pelo de cujus.
Algumas plataformas digitais, tais como o Google, por exemplo, já criaram uma espécie de testamento digital informal, em que o usuário pode escolher até dez pessoas que receberão as informações do titular em caso de falecimento.
Uma opção que surge para solucionar a problemática envolvendo a herança digital é a criação de um testamento digital, que pode ser público, cerrado ou particular. Para o professor Moisés Fagundes Lara, o testamento digital pode ser entendido como um documento que registra a última vontade de uma pessoa em relação a sucessão de seu patrimônio digital:
“podemos deixar instruções claras sobre o destino de nossos bens digitais: nossas senhas de acesso aos sites, e-mails e redes sociais; um inventário prévio de nosso patrimônio digital; e até mesmo os contatos que os sucessores devam realizar para acessar a esse patrimônio, tais como os endereços eletrônicos, telefones de contato de alguma empresa contratada previamente para inventariar todo o nosso acervo digital[1].”
Esse testamento possui como finalidade elencar a existência de bens eletrônicos e manifestar a vontade do testador acerca da destinação desses conteúdos, impedindo que seja necessária a intervenção do Poder Judiciário para decidir sobre o tema e, consequentemente, garantindo que a vontade da pessoa seja impositiva para seus herdeiros.
Considerando a ausência de legislação específica sobre o tema, o testamento digital mostra-se imprescindível para regulamentar a vontade do testador acerca da forma como serão transmitidos os seus conteúdos e ativos digitais, preservando-se assim a sua dignidade e privacidade.
[1] LARA, Moisés Fagundes. Herança Digital. Clube de Autores (managed), 2016. p. 92.