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Os 30 anos da Constituição Federal de 1988: perspectivas para o amanhã

20/12/2018

por [Advogado] Guilherme Paiva Corrêa da Silva

"Não por outros motivos, os poderes da República, embora independentes entre si, jamais poderão ser independentes da Constituição..."

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a atual Constituição Federal completou 30 anos.

Do ponto de vista histórico, a chamada “Constituição Cidadã”, ao romper com a ordem jurídica vigente durante o regime militar, revestiu-se de alta significação emblemática, pois representou a expressão mais intensa do processo de transformação histórica da sociedade e do Estado, nela concentrando-se o modelo legitimador das práticas governamentais e do exercício dos direitos, garantias e deveres individuais e coletivos.[1]

Não por outros motivos, os poderes da República, embora independentes entre si, jamais poderão ser independentes da Constituição, cabendo-lhes, desse modo, assegurar a todos o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Sobre esse dever constitucional, o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto relata um episódio pitoresco. Voltava ele de um almoço domingueiro com a família, em Brasília, quando um guardador de carros lhe abordou educadamente: “ministro Ayres Britto, como o senhor vê, estou aqui tomando conta do seu veículo para que ninguém danifique o patrimônio da sua família”. Agradecido, o então ministro procurou algum trocado para recompensá-lo, mas nem ele nem seus familiares portavam dinheiro em espécie. Assim, o ministro disse ao seu interlocutor: “como o senhor percebe, desta feita vou ficar lhe devendo”. O guardador de carros, altivo, respondeu: “ministro, o senhor não me deve nada. O senhor não me deve nada, ministro; basta cumprir a Constituição”.

advertência feita ao ex-ministro não é banal, pois no contexto atual, em que se insinuam pronunciamentos contrários aos próprios objetivos fundamentais da República (“construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades regionais e sociais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza”), o alerta do digno guardador de carros traduz relevante exigência popular, cuja satisfação, mesmo que uns não queiram, constitui dever indeclinável de todos os membros integrantes dos poderes do Estado.

 

[1] STF, Rel. Celso de Mello, Habeas Corpus 152.752, julgado em 4.4.18.