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O cenário normativo do atendimento à população trans no âmbito dos serviços de saúde

19/12/2022

por [Advogado] Guilherme Paiva Corrêa da Silva

"Frente a esse cenário, diversas normas vêm sendo editadas com o intuito de assegurar à população trans o direito constitucional à saúde."

Como é de comum ciência, a saúde é direito de todos e dever do Estado (Art. 196 da Constituição Federal), porém a população transexual, alijada desse direito fundamental, convive com a invisibilidade e inúmeras dificuldades de acesso às redes de saúde.

A discriminação por parte dos profissionais das redes de saúde, o desrespeito ao nome social e o diagnóstico patologizante no processo transexualizador são os principais motivos que impedem pessoas trans do acesso universal, integral e equânime à saúde.

Frente a esse cenário, diversas normas vêm sendo editadas com o intuito de assegurar à população trans o direito constitucional à saúde.

Nesse sentido, o Ministério da Saúde, por meio da Carta de Direitos dos Usuários do SUS, instituída pela Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009, dispôs sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, prevendo que toda pessoa tem direito, na rede de serviços de saúde, ao atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em virtude de identidade de gênero, devendo existir em todo documento do usuário e usuária um campo para se registrar o nome social, independente do registro civil, sendo assegurado o uso do nome de preferência.

O Ministério da Saúde também instituiu a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, por meio da Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011, garantindo o direito à saúde integral, humanizada e de qualidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

As Portarias nº 1.707 e nº 457, de agosto de 2008, também editadas pelo Ministério da Saúde, garantiram o Processo Transexualizador no SUS, posteriormente redefinido e ampliado pela Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, ficando assegurado o atendimento integral de saúde a pessoas trans, desde o uso do nome social até a cirurgia de adequação do corpo biológico às identidades de gênero e social, passando pela hormonioterapia.

A seu turno, o CREMESP editou a Resolução n° 208, em 2009, assegurando à população trans, durante o atendimento médico, o direito de usar o nome social, podendo o(a) paciente indicar o nome pelo qual prefere ser chamado(a), independente do nome que consta no seu registro civil ou nos prontuários do serviço de saúde.

No mesmo toar, o Conselho Federal de Medicina (CFM), com a preocupação de colaborar com a melhoria da assistência em saúde às pessoas com incongruência de gênero, atualizou parâmetros para o atendimento dessa população no país, editando a Resolução nº 2.265/2019, prevendo que a atenção integral à saúde do transgênero deve contemplar todas as suas necessidades, incluindo o acesso, sem qualquer tipo de discriminação, às atenções básica, especializada e de urgência e emergência.

Em Ribeirão Preto, a Lei 13.254/14 assegurou aos transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal - nome social - nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do município. Regulamentando a referida lei, o Executivo Municipal expediu o Decreto 196/2022, dispondo sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis, mulheres transexuais e homens trans em todos os órgãos da administração pública municipal direta e indireta, facultando às pessoas jurídicas de direito privado aplicar suas disposições nos respectivos estabelecimentos, podendo inclusive afixar, em local visível, placa contendo a seguinte mensagem: “AQUI RESPEITAMOS O SEU NOME SOCIAL”.

Como se vê, o atendimento à população transexual no âmbito dos serviços públicos de saúde vem sendo, em boa hora, disciplinado por atos normativos diversos, com vistas, em última análise, ao cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre eles o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3°, IV da Constituição Federal).