"É preciso apurar o valor real do ativo e passivo da empresa e isso só se fará mediante o balanço especial, com a exata verificação, física e contábil, dos bens e direitos da sociedade, podendo o ex-cônjuge ou convivente ingressar em juízo com pleito de apuração judicial de haveres para ter o real valor da sua quota sobre o capital social da empresa"
Não são raros os términos de casamentos e uniões afetivas seguidos de ferrenhas disputas judiciais pela partilha de bens, onde, muitas vezes um dos cônjuges ou convivente é passado para trás ou recebe menos do que julgava ser seu direito. Importante, portanto, conhecer as possíveis simulações e dissipações de bens a fim de se evitar o desfalque patrimonial em busca de uma partilha justa.
Várias são as maneiras de ocultação patrimonial, de bens e valores, daquele que detém o controle da sociedade empresária, utilizando-se de alterações societárias e contábeis como mecanismo para desviá-los com o objetivo precípuo de lesar o ex-cônjuge ou ex-convivente na partilha dos bens. Isso porque quotas e ações de sociedades são bens jurídicos, com valor econômico, devendo ser partilhados, pois compõem o patrimônio comum do casal ou conviventes.
Dessa forma, pode haver a dissolução parcial da sociedade com apuração de haveres para recebimento correspondente à participação societária, relacionada à meação da participação societária do ex-cônjuge, até porque, para admissão do ex-cônjuge ou convivente como sócio se faz necessária a aprovação pelos demais sócios, que podem opor-se ao ingresso.
Assim, em caso de liquidação das quotas, amigável ou judicial, para evitar que o ex-cônjuge seja prejudicado em seus direitos, pode ele, nos termos do artigo 1027 do Código Civil, concorrer à divisão periódica dos lucros, até a liquidação da sociedade, quando receberá o valor pela parte que lhe toca.
Nessa hipótese, há que se aferir a situação patrimonial da sociedade à data da resolução, para a liquidação da quota do retirante, sócio, ex-cônjuge ou convivente calculando-se a proporção correspondente à participação no capital social, considerando o montante que foi efetivamente integralizado. É preciso apurar o valor real do ativo e passivo da empresa e isso só se fará mediante o balanço especial, com a exata verificação, física e contábil, dos bens e direitos da sociedade, podendo o ex-cônjuge ou convivente ingressar em juízo com pleito de apuração judicial de haveres para ter o real valor da sua quota sobre o capital social da empresa.
Algumas situações, contudo, são impostas ao empresário, diante das quais, pelo seu descumprimento ensejaria a apuração de indícios de fraudes, simulações ou ocultação patrimoniais em detrimento do outro.
Nesse contexto, é obrigação do empresário e da sociedade manter escrituração contábil de sua atividade negocial, devendo guardá-la e conservá-la em bom estado, bem como os documentos respectivos. Os livros contábeis devem ser autenticados. Evita-se, assim, duplicidade de escrituração e fraudes. Importante que esta escrituração siga estrita ordem cronológica, sem intervalos em branco, entrelinhas, borrões, rasuras, ementas ou transportes para as margens. Havendo suspeitas de fraude, o exame do livro Diário, por um atento contabilista/auditor, pode revelar rastros que permitam a defesa dos interesses e direitos de terceiros, inclusive o cônjuge ou convivente.
Assim como é preciso a detida verificação do balanço patrimonial por ser ele uma fotografia em números da atividade negocial: seus bens, faculdades (ativo), suas obrigações (passivo), seu capital, seus resultados (lucro ou prejuízo). Exige a coletividade das relações jurídicas do negócio. É possível, por determinação judicial em processos de divórcio ou dissolução de sociedade, exigir do empresário casado pelo regime da comunhão parcial ou universal de bens, incluindo-se também daquele que vive em união estável, a exibição integral dos instrumentos de escrituração, admitida a apreensão judicial, no caso de recusa em entregá-lo, preservado o sigilo empresarial.
Tem-se, pois, que a contabilidade da empresa é o espaço onde, com habitualidade, se perpetram fraudes e simulações, sendo indispensável o pedido judicial de auditoria por profissional qualificado, para apuração, por exemplo de “caixa dois” ou transações “of records”, que nada mais é que e a omissão e manipulação de transações no livro Diário, tais como omitir operações de venda, manipular compras, superfaturando-as, ou vendas, subfaturando-as, com o intuito de alterar o balanço da empresa, reduzindo seus lucros, aumentando seus prejuízos, etc.
Outras práticas usuais são a apropriação de valores do caixa, de títulos de crédito e, até, desvio de estoque; simulação de perdas e despesas; fraudes gerenciais (gestão fraudulenta); esvaziamento do patrimônio societário; operações fictícias; constituição de empresa espelho, para onde se transferem as atividades negociais em detrimento das quotas que deveriam ser partilhadas; alterações de tipo societário ou modificações no ato constitutivo (contrato ou estatuto social) para limitar suas vantagens ou cercear direitos do meeiro; cisão fraudulenta da sociedade, resultando em distribuição desigual ou calculada para lesar terceiros; constituição de "offshore companies", que garantem o trânsito de capitais, facilitando o recebimento e a remessa de divisas, e que impedem a constatação de que o meeiro é titular de quotas ou ações dessas companhias.
Nessas circunstâncias, necessário se faz a nomeação de um interventor à empresa com o possível afastamento do sócio, nos termos do artigo 1019 do Código Civil, que poderá culminar na responsabilização do administrador improbo por seus atos lesivos à sociedade.
Medida de menor intervenção na empresa seria a nomeação de um observador judicial, o qual não interfere na administração da sociedade, mantendo, todavia, o juízo informado da regularidade das operações realizadas.
A apuração dessas manobras é complexa, desafiando cônjuges e conviventes que enfrentam processos judiciais na busca de uma partilha de bens equilibrada.