"Romanticamente, há que se afirmar, portanto, que a Carta Magna de nosso país preza pela liberdade de cada cidadão optar pela felicidade, em seu sentido mais amplo."
Em um mundo dividido pela polarização ideológica e pelos radicalismos, em que comportamentos e pontos de vista são rápida e avassaladoramente alterados pela tecnologia e pela efemeridade das informações, numa vívida demonstração da liquidez da modernidade prevista e defendida pelo sociólogo Zygmunt Bauman, onde fica o direito ao amor?
A Constituição Federal do Brasil, no primeiro de seus 114 artigos, elenca como fundamento de nossa República a dignidade da pessoa humana.
Poucos artigos depois, vai além, instituindo como objetivo fundamental do país – consequentemente, de seus cidadãos – a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), pautando-se pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II).
Romanticamente, há que se afirmar, portanto, que a Carta Magna de nosso país preza pela liberdade de cada cidadão optar pela felicidade, em seu sentido mais amplo.
O que não foi suficiente para que todas essas garantias fossem atropeladas por decisão prolatada pelo juízo da 14ª Vara Federal do Distrito Federal, autorizando a realização de tratamento de reversão sexual por psicólogos, sem qualquer embasamento científico ou humano, utilizando a psicologia e a ciência a (des)serviço da discriminação.
No último dia 24 de abril, entretanto, a Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o processo em primeira instância e todas as decisões tomadas no caso, o que inclui a liminar que permitia os atendimentos.
Argumenta-se, ainda, que a Justiça de primeira instância, ao assim decidir – lesando resolução do Conselho Federal de Psicologia - feriu a competência do STF, que é o órgão que decide sobre constitucionalidade de normas.
Segundo o Conselho, “[a] partir da prolatação da decisão reclamada, o ordenamento jurídico brasileiro passou a admitir, implicitamente, que a condição existencial da homossexualidade no Brasil, ao invés de constituir elemento intrínseco e constitutivo da dignidade da pessoa, retrocedeu no tempo, a fim de considerá-la uma patologia a ser supostamente tratada e curada através dos serviços de saúde, dentre os quais, a atuação de psicólogas e psicólogos”.
Após a decisão liminar da Ministra, mantêm-se válidas todas as disposições da Resolução nº 01/99, reafirmando-se que a ciência não será instrumento de promoção do sofrimento, do preconceito, da intolerância e da exclusão.
Em tempos escuros de cólera escancarada, viu-se luz no fim do túnel.
Em tempos nefastos de intolerância e dor, ao menos num instante, venceu o amor.