29/06/2020
por [Advogado] Fernando Corrêa da Silva Filho"Ora, se não há em sobredita Recomendação qualquer imposição ao Poder Judiciário para que aceite o inadimplemento das obrigações, não há que se falar em ofensa a sua independência."
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou, em 31 de março de 2020, a Recomendação n.º 63, que orienta aos Juízos competentes para o julgamento de ações de recuperação judicial e falência a adoção de medidas para a mitigação do impacto decorrente das providências de combate à contaminação pela nova COVID-19.
Dentre as recomendações, estão: (i) a suspensão de Assembleias Gerais de Credores presenciais enquanto durar a situação de pandemia, mas com a possibilidade de se realizar a assembleia virtual em casos urgentes; (ii) a prorrogação do prazo de duração da suspensão (stay period) estabelecida no art. 6º da Lei n.º 11.101/2005, nos casos em que houver necessidade de adiamento da realização da Assembleia Geral de Credores e até o momento em que seja possível a decisão sobre a homologação ou não do resultado da referida AGC; (iii) a autorização da recuperanda que esteja em fase de cumprimento do plano aprovado pelos credores a apresentar plano modificativo a ser submetido novamente à AGC, em prazo razoável, desde que comprove que sua capacidade de cumprimento das obrigações foi diminuída pela crise decorrente da pandemia de COVID-19 e desde que estivesse adimplindo com as obrigações assumidas no plano vigente até 20 de março de 2020.
Após a entrada em vigor da mencionada recomendação, várias empresas em recuperação judicial passaram a formular pedidos com base em tais orientações, porém os juízes de primeira instância e o Tribunal de Justiça de São Paulo têm sido rigorosos na apreciação dos pleitos, e, recentemente, alguns deles passaram a declarar a inconstitucionalidade da indigitada Recomendação.
Nesse sentido foi a decisão do juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, nos autos do processo n.º 0038328-39.2013.8.26.0100, que justificou a inconstitucionalidade declarada na vulneração da independência do Poder Judiciário, a quem compete exclusivamente a interpretação das leis e, com independência jurídica, nos termos da Constituição Federal, a ocorrência de casos fortuitos e força maior amplamente invocados em razão da imprevisibilidade da pandemia da COVID-19.
Apesar da importante e rebuscada fundamentação utilizada, a inconstitucionalidade da Recomendação talvez não se justifique pelo caminho mencionado, já que se trata de simples orientação e não de determinação, limitada em seu próprio texto à apreciação do magistrado que, por óbvio, não está vinculado a ela e, portanto, não acarreta a sobredita vulneração.
A propósito dos caso fortuito e força maior, a orientação do CNJ é clara ao simplesmente recomendar aos magistrados que considerem a sua ocorrência para relativizar a drástica convolação da recuperação judicial em falência prevista no artigo 73 da Lei n.º 11.0101/2005 em tempos de distanciamento social e de quarentena caso a empresa não consiga honrar suas obrigações assumidas no plano de recuperação.
Ora, se não há em sobredita Recomendação qualquer imposição ao Poder Judiciário para que aceite o inadimplemento das obrigações, não há que se falar em ofensa a sua independência. Há, na realidade, o simples pedido para que, analisando o caso concreto, se considere tais situações atípicas antes da extremada decretação da falência da empresa.
Dessa forma, respeitado entendimento diverso, acredita-se que a declaração de inconstitucionalidade da Recomendação n.º 63 do Conselho Nacional de Justiça pelo caminho exposto não seja o mais correto, lembrando que, de fato, ressalvados os pedidos de alteração do plano de recuperação judicial a ser obrigatoriamente submetido aos credores em assembleia, caberá ao Poder Judiciário a apreciação dos pedidos baseados em tal recomendação de forma casuística.